Uma das experiências mais legais que eu tive durante o doutorado foi fazer uma consultoria sobre certificação florestal em uma indústria de móveis.
Como havia dito em um dos textos anteriores, escrevemos um projeto que foi aprovado com recursos financeiros pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e, em uma reunião no polo moveleiro de Ubá (MG), oferecemos uma consultoria gratuita (isso mesmo!) para alguma empresa que quisesse abrir as portas para nossa pesquisa.
A ideia era estabelecer uma relação ganha-ganha: a empresa ganhava a consultoria gratuita visando à obtenção da certificação florestal e, em troca, nos oferecia alguns dados e informações que eu precisaria para a minha tese de doutorado, sendo que alguns deles viriam também do próprio processo de consultoria que iríamos desenvolver.
Ao final da reunião parecia que ninguém tinha se importado com o nosso discurso até que um senhor se aproximou e pediu maiores detalhes. Ele conhecia bem a certificação florestal, principalmente o selo FSC. Expliquei o nosso projeto, a “relação ganha-ganha” ja mencionada e fiz questão de falar a linguagem do próprio empresário: ali era uma parceria que poderia trazer bons resultados para ambas as partes. Efetivamente era um negócio!
Com o acordo aceito pelos envolvidos, começamos efetivamente a consultoria. Mas que consultoria? Eu nunca fui consultor! rsrs por onde eu deveria começar?
Se possível, gostaria de dar um pequeno conselho aos que leem este texto. Quando a gente não sabe nada, ou sabe muito pouco, devemos ter a humildade em reconhecer isso e criar motivação interna para aprender cada vez mais sobre o assunto.
Então o primeiro passo foi realmente reconhecer isso: eu nunca fui consultor, teria que aprender a ser um e, paralelamente, eu precisava estudar mais sobre certificação florestal (o tema da minha consultoria) e também como ocorria o processo de auditoria de cadeia de custódia (a modalidade aplicável à indústria de móveis) para que eu pudesse fazer a conexão entre a teoria (o que dizia o manual da certificação) com a prática (a realidade da empresa, o dia a dia dela, os seus processos, pessoas etc). Novamente o assunto “teoria X prática” volta à tona e vejam como todas aquelas discussões na graduação me auxiliaram na consultoria.
Após me debruçar sobre o manual da certificação e tentar compreendê-lo, realizei as primeiras visitas à indústria de móveis parceira do nosso trabalho. Estabeleci a seguinte estrutura de trabalho: primeiramente eu deveria tentar entender como era o funcionamento da empresa (Fase 1: onde estamos?), o fluxo de entradas e saídas de matérias-primas, como ocorria a produção etc. Em suma, era necessário visualizar na prática todos os procedimentos que ocorriam ali e que tivessem sintonia com a certificação florestal. São os chamados “pontos críticos”. Passei meses e meses nessa função e fiz vários rascunhos dos processos da empresa. Até me aventurei a fazer um pequeno layout da planta da empresa. Logicamente ficou horrível, pois minhas habilidades em desenho são fraquíssimas rsrsrs
A segunda parte seria rever a teoria, ou seja, o manual da certificação, que é o documento balizador para a futura auditoria que teria a empresa (Fase 2: aonde queremos chegar?). E, a terceira parte, confrontar o que foi visto na prática com a teoria lida (Fase 3: como chegar lá?). A sequência dessas fases foi tão importante para a condução e sucesso do meu trabalho que eu as descrevi no livro Administração Verde, no capítulo 10 sobre Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Creio que ajudará bastante o leitor com a sugestão de um caminho para iniciar o processo de consultoria em uma empresa.
Pude notar como este processo de “teoria X prática” realmente se aplica! A questão é que, como eu não tinha prática em consultoria e nem na própria certificação florestal, fiquei dando “volta em círculos” durante um tempo. Evidentemente tive apoio do orientador, de alguns professores e estudantes, e também de pessoas que eram efetivamente ligadas ao processo de auditoria em certificação florestal. Tudo isso ajudou bastante a dissipar o nevoeiro de dúvidas que pairava em minha cabeça!
Em uma das visitas à empresa, tive a companhia de um amigo que, em um primeiro momento, sugeriu mudanças na estrutura e layout da empresa. Imediatamente percebi que não era necessário, até porque, pensem bem: a empresa sempre trabalhou daquela forma e agora viriam consultores para opinar sobre o trabalho de décadas deles! Decididamente não seria prudente. Por outro lado, eu entendia que era a gente que teria que se adaptar à empresa e não o contrário! A empresa deveria seguir as normas da certificação florestal, mas sem comprometer o seu dia a dia. Caso houvesse mudanças, estas deveriam ser as mínimas possíveis, sem prejudicar o andamento das atividades, principalmente do setor de produção. Deixei isso claro para o proprietário e, percebendo o alívio dele, acredito que o trabalho fluiu melhor a partir daí.
Ter novamente o contato com o meio empresarial, com o cotidiano de uma empresa e com diversos setores e pessoas das mais variadas habilidades, desde o “chão de fábrica” (operários) até a gerência, foi outro grande aprendizado.
Como eu sabia que o dono da empresa nem sempre estaria disponível para me atender, pedi que fosse designado um funcionário para me acompanhar pela empresa, bem como para me apresentar aos setores e seus respectivos responsáveis. Era fundamental que isso acontecesse, pois, como consultor, eu era um membro externo à empresa, e não conhecia seu funcionamento. Reconhecer isso é de suma importância além, é claro, saber ouvir as pessoas dos setores a fim de entender o funcionamento das atividades e sua periodicidade.
Passados quase dois anos desde o início da consultoria, e depois de muitas “voltas em círculos” (visto que eu também estava aprendendo a ser consultor), o empresário pediu uma definição. “Afinal de contas, quando poderei chamar a auditoria?” Era uma pergunta totalmente válida e importante.
Para que o texto não fiquei muito longo, irei concluir este tema no próximo texto. Aguardo por vocês!